sábado, 1 de novembro de 2008

Uma Grande Caixa de Remédios

[Uma rápida explicação de Libertinagem]

LIBERTINAGEM é um livro composto de vários poemas, os quais chamamos de poemas-pílulas, por serem curtos.
Neste livro, Manuel Bandeira trata de várias fases de sua vida, desde sua infância em Recife (PORQUINHO-DA-ÍNDIA), passando por sua tuberculose mal tratada durante a adolescência (PNEUMOTÓRAX), até sua vida cotidiana no Rio de Janeiro (POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL).

PORQUINHO-DA-ÍNDIA
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ela pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria estar debaixo do fogão.
Não fazia caso de nenhum das minhas ternurinhas...
- o meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
-Diga trinta e três.
-Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
-Respire.
.............................................................
-O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
-Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
-Não. A única coisa a se fazer é tocar um tango argentino.
POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Um noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Oswald de Andrade

Esse vídeo conta um pouco da história de Oswald de Andrade e da história do primeiro romance moderno brasileiro.

Boiúna Luna - Rudá, Rudá!...

"Rudá, Rudá!...
Tu que sacas as chuvas,
Faz com que os ventos do oceano
Desembestem por minha terra
Pra que as nuvens vão-se embora
E a minha marvada brilhe
Limpinha e firme no céu!...
Faz com que amansem
Todas as águas dos rios
Pra que eu me banhando neles
Possa brincar com a marvada
Refletida no espelho das águas!..."

Este canto de invocação aos deuses, do livro Macunaíma de Mário de Andrade, foi cantado pelo próprio Macunaíma, quando ele perde sua mulher e agora Macunaíma é homenageado por todos, por onde ele passa.

Lirismo dos Loucos

POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem-comportado
Do lirismo funcionário-público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudos os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

-Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira escreveu em seu livro LIBERTINAGEM, um grito de libertação. Escreveu um livro com liberdade poética. Libertinagem é um dos maiores exemplos do Modernismo brasileiro, em que a literatura se distancia da poesia parnasiana e simbolista.

Memórias Sentimentais de João Miramar

VELEIRO

A tarde tardava, estendia-se nas cadeiras, ocultava-se no tombadilho quieto, cucava té uma escala de piano acordar o navio.
Madama Rocambola mulatava um maxixe no dancing do mar.
Esquecia-me olhando o céu e a estrela diurna que vinha me contar salgada do banho como estudara num colégio interno. Recordava-me dos noivados dormitórios das primas.
Uma tarde beijei-a na língua.

Oswald de Andrade produz uma obra maravilhosa, com um enredo muito simples no qual o próprio João Miramar relata sua história pessoal em pequenos flashes. A obra em si não tem nada de especial, nenhum acontecimento que chame muita atenção, ou um final feliz com sua amada, mais o que dá o charme a obra é a revolução que Oswald de Andrade fez com a literatura, abusando de muitos recursos lingüísticos e de uma maneira nova de escrever.